Nhe’ẽ significa espírito, sopro, vida, palavra, fala. Porã é belo, bom. Juntas, as duas palavras significam “belas palavras” e dão nome à exposição que, depois de Paris e Belém do Pará, chega ao Rio. “Nhe’ẽ Porã: memória e transformação” estreia no Museu de Arte do Rio na próxima sexta-feira (19/04) apresentando as belezas das línguas indígenas do Brasil. Realizada pelo Museu da Língua Portuguesa, a mostra ocupa uma das salas do primeiro andar da instituição até 14/07, reunindo objetos etnográficos, arqueológicos, instalações audiovisuais e obras de arte. A curadoria é da artista indígena e mestre em Direitos Humanos Daiara Tukano e da antropóloga Majoí Gongora. Uma realização do Museu da Língua Portuguesa, instituição da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo de São Paulo, com articulação e patrocínio do Instituto Cultural Vale, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet). A abertura será às 18h, com entrada gratuita.
A proposta é oferecer um mergulho na história, memória e realidade atual das línguas dos povos indígenas no Brasil, mostrando, segundo a curadoria, outros pontos de vista sobre os territórios materiais, imateriais, e identidades desses povos, trazendo à tona suas trajetórias de luta e resistência, assim como os cantos e encantos de suas culturas. A versão carioca da exposição tem novidades: peças do acervo do Museu Nacional dos Povos Indígenas da Funai e do próprio MAR, equipamento que integra a rede de museus da Secretaria Municipal de Cultura do Rio .
Pertencente ao Museu Nacional dos Povos Indígenas, vem uma peça de cerâmica utilizada para servir caxiri (bebida fermentada à base de mandioca) do povo Tukano, além de tembetás de madeira e quartzo do povo Parakaña (peças colocadas sob os lábios) e botoques dos povos Xikrin e Tapayuna (tipo de adorno usado para alargar o lábio inferior). Destaque também para um conjunto de peças do povo Tukano, entre elas um tambor e objetos cerimoniais. Também estarão à mostra cinco obras da coleção do MAR.
“Língua é pensamento, língua é espírito, língua é uma forma de ver o mundo e apreciar a vida”. É assim que a curadora Daiara Tukano descreve o ponto de partida de “Nhe’ẽ Porã: memória e transformação”, que também tem apoio da Unesco, no contexto da Década Internacional das Línguas Indígenas, em parceria com o Instituto Socioambiental, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP) e do Museu Paraense Emílio Goeldi.
A imersão começa no próprio nome da mostra, que vem da língua Guarani Mbya. Cerca de 50 profissionais indígenas, entre pesquisadores, acadêmicos e artistas e comunicadores, participaram do projeto, que tem consultoria especial de Luciana Storto, linguista especialista no estudo de línguas indígenas, em diálogo com a curadora especial do Museu da Língua Portuguesa, Isa Grinspum Ferraz. Obras de nomes como Paulo Desana, Denilson Baniwa, Kamikia Kisêdjê e Jaider Esbell integram a coleção.
Uma das principais missões do Museu de Arte do Rio, enquanto equipamento da Prefeitura do Rio, é promover a salvaguarda da memória. “Receber a itinerância da exposição Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação comprova o objetivo do MAR de ser um espaço onde reverenciamos o passado, acreditamos no presente e projetamos o futuro através da cultura. A mostra, que tem o objetivo de dar visibilidade e fazer ecoar as cerca de 175 línguas e culturas indígenas que resistem no Brasil, chega ao Rio de Janeiro com a força da ancestralidade dos povos originários. Acreditamos que a exposição pode e deve reverberar no público um entendimento, respeito e celebração à história do nosso país”, afirma Leonardo Barchini, diretor da Organização de Estados Ibero-americanos (OEI), que faz a gestão do MAR.
“Nhe’ẽ Porã é uma exposição necessária e urgente. Ela possibilita, àqueles que a visitam, aprofundar-se no universo dos povos originários brasileiros: são mais de 267 povos, falantes de mais de 150 línguas diferentes. Ao articularmos e apoiarmos a realização da exposição junto ao Museu da Língua Portuguesa e à Unesco contribuímos para significar ainda mais a Década Internacional das Línguas Indígenas. A itinerância de Nhe’ẽ Porã dá sequência ao movimento de circulação da exposição em 2024, possibilitando que mais pessoas conheçam sobre os povos originários e, assim, reflitam sobre diferentes formas de criar, viver e conviver”, diz o diretor presidente do Instituto Cultural Vale, Hugo Barreto.
“Depois de Belém, onde continua em cartaz, e de passar por Paris, uma versão da exposição Nhe’ẽ Porã segue sua itinerância pelo Brasil, agora no Museu de Arte do Rio. As itinerâncias possibilitam que mais gente tenha acesso à diversidade e à urgência de preservação de mais de uma centena de línguas indígenas faladas ainda hoje no Brasil. O projeto celebra a Década Internacional das Línguas Indígenas, promovida pela Unesco, e destaca a perspectiva multilíngue do território brasileiro, focando também na influência dos povos originários no português do Brasil”, afirma Renata Motta, diretora executiva do Museu da Língua Portuguesa.
Saiba mais sobre a exposição
“Nhe’ẽ Porã: memória e transformação” tem uma lógica circular guiada por um rio de palavras grafadas em diversas línguas indígenas que atravessa todo o espaço expositivo, conectando as salas em um ciclo contínuo.
As transformações das línguas indígenas são tratadas em conteúdos que exploram a resiliência, a riqueza e a multiplicidade das formas de expressão dos povos indígenas. “Colocamos em debate o fato de que somos descritos como povos ágrafos, sem escrita, mas nossas pinturas também são escritas – só que não alfabéticas”, explica a curadora Daiara Tukano.
Na primeira sala, intitulada Terra é Viva, o visitante se depara com uma grande floresta de línguas. Árvores, desenhadas por Daiara Tukano, representam as famílias linguísticas e, por meio de fones de ouvido, é possível ouvir dezenas de registros sonoros e conhecer um pouco da diversidade das línguas indígenas.
No espaço há ainda o mapa Terra de Muitos Cantos – famílias linguísticas originárias das Américas, que ilustra o continente americano de uma forma incomum, de cabeça para baixo. O mapa propõe outros olhares sobre o continente, os territórios originários e a diversidade de povos e línguas indígenas. Baseado nos poucos materiais existentes sobre o tema, ele mostra de forma simplificada e aproximativa a distribuição geográfica das famílias linguísticas.
A instalação visual Chuva de Palavras – projeção de um poema de Daiara Tukano traduzido para várias línguas indígenas, com vídeo mapping desenvolvido pelo Estúdio Bijari – também está presente neste ambiente.
A sala seguinte, Língua é Memória, traz à tona históricos de contato, violência e conflito decorrentes da invasão dos territórios indígenas desde o século 16 até a contemporaneidade, problematizando o processo colonial que se autodeclara “civilizatório”. Neste ambiente, outras histórias são contadas por meio de objetos arqueológicos, obras de artistas indígenas, registros documentais, recursos audiovisuais, multimídia e mapas criados especialmente para a exposição com dados sobre as Terras Indígenas, a distribuição da população e das línguas indígenas pelo território brasileiro.
Na terceira sala, que ganha o nome de Palavra Tem Poder, o público conhecerá a pluralidade das ações e criações indígenas contemporâneas, distribuídas em nichos temáticos, a partir de seu protagonismo em diferentes espaços da sociedade, a exemplo de sua atuação no ensino, na pesquisa, na política e nas diversas linguagens artísticas. No espaço, é possível ainda assistir à obra audiovisual Marcha dos Povos Indígenas, sob direção do cineasta Kamikia Kisêdjê; e apreciar pinturas do coletivo MAHKU e de outros artistas também do povo Huni Kuin, todas do acervo do MAR.
Ao acompanhar o percurso do rio, os visitantes alcançam a sala intitulada Palavra Tem Espírito. Trata-se de ambiente noturno, com uma atmosfera onírica introspectiva que permite o contato com a força presente nos cantos de mestres e mestras das belas palavras. O rio que percorria o chão da exposição, agora sobe a parede como uma grande cobra até se transformar em nuvens de palavras – preparando a chuva que voltará a correr sobre o próprio rio, dando continuidade ao ciclo.
Numa pequena sala de projeção inspirada no ninho do Japu (pássaro que faz ninhos grandes e compridos em forma de bolsa), o público poderá assistir a sete produções audiovisuais de autoria indígena.
Itinerância: De Belém do Pará a Paris
A primeira cidade brasileira a receber a exposição foi Belém, onde ela continua em cartaz até 28 de julho. Na capital paraense, foi lançado o catálogo da mostra com imagens das obras de artistas como Tamikuã Txihi, Glicéria Tupinambá, Denilson Baniwa e Paulo Desana, além de mapas produzidos exclusivamente para o projeto e textos de apresentação também nas línguas tupi-antigo, xavante, yanomami, dahseaye e mbya. O material, em português, pode ser baixado neste link.
Em março, uma versão do projeto ocupou o Hall Ségur, na sede da Unesco, em Paris, onde também houve a realização do evento “Línguas indígenas da América do Sul: memória e transformação”, no Collège de France. Há uma versão on-line da mostra Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação que esteve em cartaz no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo em 2022/23, atraindo mais de 189 mil visitantes: exposição virtual.