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Mostra em cartaz a partir de 6 de novembro, que reabre ao público o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira, reúne mais de 350 trabalhos de 100 artistas do Brasil, da África e das Américas.

Um estudo historiográfico sobre os contextos socioculturais que levaram às lutas pela liberdade a partir do Brasil Império (1882-1889) e seus desdobramentos contemporâneos. Esse é o enredo da megaexposição “UmDefeito de Cor”, que promove a reabertura ao público do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab), em Salvador, a partir de 6 de novembro, dentro da programação do mês da Consciência Negra, e que pode ser visitada até 3 de março de 2024. Resultado da parceria entre a Prefeitura de Salvador, a Sociedade Amigos da Cultura Afro-Brasileira (Amafro) e a Organização de Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura no Brasil (OEI), com a concepção original do Museu de Arte do Rio de
Janeiro (MAR), a mostra é uma interpretação do romance literário homônimo, publicado pela primeira vez em 2006 pela escritora mineira Ana Maria Gonçalves, que narra a saga pela liberdade e pela reconstrução identitária da Kehinde, personagem da figura histórica Luísa Mahin: a mulher de origem africana, que comprou sua alforria em 1812 e passou a liderar revoltas na Província da Bahia, mãe do poeta e abolicionista
Luís Gama (1830-1882).

Um clássico moderno da literatura brasileira, adaptado para a mostra cuja autora divide a concepção com a dupla de curadores do MAR, Amanda Bonan e Marcelo Campos, a expressão “um defeito de cor" diz sobre as trajetórias de vida dos diferentes grupos étnicos em diáspora e as lutas pela liberdade no Brasil. O termo é historicamente um conceito equivocado exigido de liberação racial comum no século XIX. Na época, se configurava a racialidade às questões positivistas, como se pessoas racializadas, indígenas e negras pudessem
ter na sua constituição biológica algo que fosse um suposto defeito, como a pouca inteligência e a disposição ao crime, por exemplo, sem levar em consideração as questões sociais e políticas que cercam cada indivíduo. A cor era justificativa para aquilo que a sociedade acreditava ser um defeito.

A exposição investiga a trajetória da protagonista do romance literário, Kehinde. “É o ponto de partida e de encontro de diversas potências negras do nosso povo. Mais um passo na reparação necessária e na reafirmação de que Salvador é a capital negra fora da África”, argumenta Pedro Tourinho, Secretário de Cultura e do Turismo do município, sobre a potência narrativa da mostra selecionada para reabrir o
importante equipamento museal. “A ficção se funde com a realidade e abarca tudo que esse espaço permeia, numa síntese do que se define como identidade e cultura afro-diaspórica, que dialoga com a verdade do povo desta terra”, antecipa.

Ambientes expositivos
A exposição é dividida em 10 ambientes que ensaiam os 10 capítulos do livro. São cerca de 370 obras de artes, entre desenhos, pinturas, vídeos, esculturas e instalações de mais de 100 artistas nacionais, entre eles da Bahia, do Rio de Janeiro e do Maranhão, e dos continentes africano e americano. A mostra se sobressai ao reunir trabalhos de artistas expoentes da memória afrodiaspórica: colagens da baiana Yêdamaria (1932-2016)
da arte contemporânea que transita pelo sincretismo da paisagem marinha e o culto ancestral; esculturas do baiano Mestre Didi (1917-2013) em troncos de palmeiras e couros, que reimaginam o sagrado e os objetos ritualísticos das tradições de matrizes africanas; e fotografias do nigeriano Iké Udé, que exalam o poder de personagens africanos.

O primeiro ambiente expositivo captura os processos cíclicos de vida e de morte pela ótica da cosmogonia: Kehinde tem a trajetória marcada pela perda dos laços familiares a partir do assassinato da mãe, dos avós e dos irmãos no Benin pré-colonização, sendo forçada ao tráfico transatlântico. A segunda ala reflete sobre o cotidiano da personagem no Brasil Colônia (1530-1822) ao desembarcar na Baía de Todos os Santos e
percorrer diferentes territórios. O terceiro espaço da mostra retrata a divisão do trabalho ao qual os escravizados foram submetidos nos ambientes domésticos, urbanos e rurais, enquanto o quarto ambiente registra a resistência dos negros e os planos de liberdade traçados através dos aquilombamentos.

A incisiva recusa comunitária ao sistema escravocrata e ao sincretismo das religiões praticadas em território colonizado
são tema do quinto espaço. A eclosão de revoltas populares contra a colonização europeia em diferentes províncias do país durante o período Regencial (1831-1840), entre as quais “Noite das Garrafadas” (1831), no Rio de Janeiro, a “Sabinada”
(1837-1838), na Bahia, e a “Balaiada” (1838), no Maranhão, são tema do sexto ambiente. A sétima ala abre espaço para as festas afro-religiosas no Brasil, como o “Presente de Iemanjá” em Salvador, que completou 100 anos em 2023. A oitava ala aborda as intuições e os livramentos espirituais em sonhos e trata das
moradias improvisadas no Rio de Janeiro e o comércio de crianças escravizadas em São Paulo. O nono espaço narra a presença cultural dos Agudás, como ficaram conhecidos os africanos libertos que retornaram ao país originário. No décimo ambiente, a tragédia novamente encontra Kehinde, em que a personagem lida com a morte de seus netos e a perda da visão. Descobre-se, por fim, que a narrativa do livro e da exposição abrigam uma carta escrita por Kehinde, para o seu filho Luís Gama, enquanto retorna de navio para o Brasil.

A expografia é assinada pelo artista visual Ayrson Heráclito e a arquiteta Aline Arroyo. “Trazer a exposição Um Defeito de Cor para Salvador significa retornar às raízes. O romance de Ana Maria Gonçalves tem a Bahia como cenário, com suas ruas históricas e casas coloniais. É uma narrativa sobre mulheres fortes que se unem para conquistar a independência financeira e lutar pela liberdade. Além disso, aborda a história de uma mãe
em busca do filho desaparecido. Participar da reabertura do Muncab e dialogar com sua valiosa coleção torna essa exposição verdadeiramente única. É uma homenagem à Bahia e à incrível força de seu povo”, comemora Marcelo Campos, curador da exposição.

Reabertura do Muncab
O Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab) será reinaugurado pela Prefeitura de Salvador, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult) e a Sociedade Amigos da Cultura Afro-Brasileira (Amafro) com cooperação da Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura no Brasil (OEI). A iniciativa faz parte da programação do projeto “Salvador Capital Afro”, um
reconhecimento municipal à contribuição dos afrodescendentes para a formação da civilização brasileira.”Como dizia a educadora soteropolitana, Makota Valdina, é preciso ser sujeito dessa história e não objeto. As matrizes africanas têm o papel fundamental na construção da identidade brasileira. Entretanto, o que vemos ao longo dos anos é que a ignorância insiste no apagamento dessas contribuições O museu é um espaço de
memória, mas, também, é um espaço de reconhecimento, de reflexão e de reconexão”, celebra Cintia Maria, Diretora do Muncab. “A exposição é uma rica interseção entre literatura, história e a diversidade da produção artística afro-brasileira, que contribui para sensibilizar o público sobre a trajetória de importantes líderes da resistência negra no país”, acrescenta a porta-voz.

Inaugurado em 2009, o Muncab se consolidou nas duas últimas décadas como um espaço de memória dedicado à preservação das culturas afro-brasileiras, sendo presidido atualmente pelas gestoras culturais e multiartistas, Cintia Maria e Jamile Coelho. O museu ocupa cinco pisos de um edifício neoclássico centenário,
com quase 5.000 metros quadrados, na antiga sede do Tesouro do Estado da Bahia. A coleção permanente do Muncab é composta por mais de 400 peças, divididas entre arte contemporânea, moderna e sacra. São pinturas, esculturas, gravuras, móveis, fotografias, objetos diversos e documentos que remontam à cultura diaspórica nas Américas. Entre os artistas de reconhecida importância para a preservação dessa memória que fazem parte do acervo estão a gravurista Yêdamaria (1932-2016) e os escultores Mestre Didi (1917-2013),
Rubem Valentim (1922-1991), Emanoel Araújo (1940-2022), Heitor dos Prazeres (1898-1966) e Agnaldo dos Santos (1926-1962).

Sobre a personagem histórica
Luísa Mahin desempenhou um papel importante na resistência à escravidão no Brasil durante o período imperial, sendo originária do Benin, na África. Após comprar a alforria em 1812, Luísa Mahin tornou-se quituteira em Salvador, onde teve o seu filho, o poeta e abolicionista Luís Gama. Ela foi articulista das revoltas
e dos levantes que sacudiram a então Província da Bahia nas primeiras décadas do século XIX. De seu tabuleiro eram distribuídas mensagens em árabe para clientes que adquiriam os quitutes. Desse modo, esteve envolvida na Revolta dos Malês (1835) e na Sabinada (1837-1838). Sua casa foi transformada no quartel general dessas revoltas. Também teve passagens pelo Rio de Janeiro, São Paulo e Maranhão, onde, com sua
influência, acredita-se que teria contribuído para o desenvolvimento do tambor de crioula.

Sobre a autora e curadora
Ana Maria Gonçalves nasceu em 1970 em Ibiá, Minas Gerais. Publicitária por formação, se encantou pela Bahia durante uma viagem para a Ilha de Itaparica, onde morou por cinco anos. Ali, passou a se dedicar integralmente à literatura e ao universo cultural da diáspora africana nas Américas. Em 2006, se tornou
conhecida em todo o país com o lançamento do livro “Um Defeito de Cor”, romance que encena em primeira pessoa a trajetória de Kehinde, nascida no Benin, desde o instante em que é escravizada, aos oito anos, até seu retorno à África, décadas mais tarde, como mulher livre. O livro, que completou 17 anos em 2023, conquistou o importante prêmio literário Casa de las Américas, em 2007.

SERVIÇO
Exposição “Um Defeito de Cor”
Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab)
Rua das Vassouras, 25 – Centro Histórico de Salvador
Inauguração: 6 de novembro de 2023, a partir das 13h
Visitas: até 3 de março de 2024
Funcionamento: de terça-feira a domingo, das 10h às 17h. Acesso até às 16h30
Ingressos:
– R$ 20 (meia-entrada garantida): a partir de 14 de novembro
– Gratuidade: Entre 6 e 13 de novembro e todas as quartas-feiras
Classificação indicativa: Livre