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A parceria começa com a exposição Yorùbáiano, de Ayrson Heráclito, que será inaugurada no próximo sábado na Pina.

O Museu de Arte do Rio e a Pinacoteca de São Paulo assinam no próximo dia 02, em São Paulo, um termo de parceria entre as duas instituições para compartilhar programações expositivas, atividades educativas e culturais em projetos de cooperação futuros. A iniciativa neste ano começa com a itinerância das exposições “Yorubaìano”, concebida pelo MAR, e “Enciclopédia Negra”, da Pina.
Yorùbáiano será inaugurado no próximo sábado (02/04) e reúne 63 obras, com instalações, fotografias, vídeos, performances e registros, abordando as feridas deixadas pela história colonial. A mostra vai ocupar o quarto andar do edifício da Pinacoteca Estação e tem curadoria de Amanda Bonan, Ana Maria Maia e Marcelo Campos. A abertura será às 11h e o público poderá assistir à performance “Segredos Internos” (1994-2010). A entrada será gratuita.
“A parceria do Museu de Arte do Rio com a Pinacoteca de São Paulo é um marco importantíssimo na relação e no desenvolvimento de exposições que conquistam cada vez mais audiência e que por terem perspectivas universais são representativas tanto da realidade do Rio quanto de São Paulo. São mostras que debatem temas que remetem ao processo histórico brasileiro e que têm efeito no Rio e em todo o país. A iniciativa engrandece o trabalho do MAR e é uma oportunidade ímpar para a Pinacoteca De São Paulo, que levará ao público paulista uma curadoria bastante rigorosa, eclética e com muita profundidade. E ao mesmo tempo, o MAR poderá beber dessa fonte que é a Pinacoteca, como um local proativo, cuidadoso e com muita capacidade criativa”, ressalta Raphael Callou, diretor da Organização dos Estados Ibero Americanos (OEI), instituição gestora do MAR.
Ayrson Heráclito traz a força de mitologias africanas que aportaram no Brasil a partir da diáspora, do sequestro e da escravidão de diversos povos africanos, sobretudo a partir do século XIX. Na seleção de obras, o artista baiano articula culturas diversas, abarcando os mitos yorubanos ou nagôs e jejes, a um amálgama cultural único de saberes ancestrais, ensinamentos, lendas, ritos e visões de mundo distintos que fazem parte das matrizes religiosas e culturais do candomblé. Por intermédio dos trabalhos, o público pode conhecer as lendas, “ìtàns” e “orikis”, narrativas tradicionais que seguem presentes nas ruas, procissões, romances e enredos de escolas de samba brasileiras, tomando contato com um mundo onde a natureza dos seres e dos bichos se complementa.
Dividida em três salas, a curadoria de “Yorùbàiano” articula três materiais orgânicos que, segundo o artista, compõem histórica e simbolicamente o “corpo cultural diaspórico”. O açúcar rememora a ganância da monocultura canavieira escravocrata, evocando ao mesmo tempo a divindade ou orixá Exú, a quem é ritualmente oferecida a cachaça. Ayrson também se vale da polissemia do azeite de dendê, ora simbolizando os fluidos vitais do corpo humano.
Em uma das salas, a instalação “Regresso à pintura baiana” (2002) envolve o tingimento de uma maquete da Igreja do Rosário dos Pretos, bem como uma parede do museu com o dendê, saindo do campo da representação da pintura matérica, característica dos anos 1980, para a instalação, valendo-se do precioso óleo e sua coloração amarelo-terrosa. A videoinstalação “O pintor e a paisagem” (2011), a instalação “Barrueco” (2003), além da série fotográfica “Sangue vegetal” (2005), entre outras instalações e fotografias completam a sala.
A carne curtida no sal ou charque, por sua vez, alude às violências sofridas pelo povo negro escravizado ao mesmo tempo que remete ao orixá Ogum, a quem é oferecido o sal nos rituais do Candomblé. Nesse espaço são exibidas a instalação “Segredos Internos” (1994-2010), documentação da performance “Transmutação da carne” (2000), além do registro da performance ritualística “Sacudimento” (2022), realizada pelo artista ao redor do edifício da Pina Estação, onde funcionou o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), órgão responsável pela detenção de dissidentes políticos nos anos 1960 e 70.
A terceira sala expositiva encerra a visita com a grande instalação fotográfica “Borí” (2008-2011), cuja performance foi adquirida em 2020 pela Pinacoteca por meio de seu programa de Patronos, com doze grandes fotografias do ritual de fazer a cabeça ou “borí”, representando cada um dos 12 orixás do xirê. No dia 11 de agosto, o espaço Octógono, no edifício Pina Luz, será palco do ritual sagrado, com duração de cerca de duas horas, conduzido pelo artista, com a presença de músicos e 12 iniciados da religião africana.
Ayrson Heráclito (Macaúbas, Bahia, 1968) é professor universitário, historiador da arte, curador e ogã de Candomblé de matriz Jejê-Mahi. Sua trajetória artística inicia-se nos anos 1980 na Bahia. O artista se consolida, em seus cerca de 35 anos de trajetória, como um dos mais significativos nomes no Brasil a construir uma obra dedicada a elaborar ritos de cura, negociando outras relações com um passado nefasto, constantemente sacudido e ritualisticamente eliminado em banhos de ervas (“ìwá orí”) com águas frescas (“omi odò tó ń sàn”) ou no alimento oferecido às cabeças (“borí”), para que se mantenha o equilíbrio do corpo e do espírito.