O Museu de Arte do Rio inaugura a sua última exposição de 2024 na próxima terça-feira, 17 de dezembro, às 16 horas. “O dono do MAR”, é a primeira exposição individual institucional que reúne e celebra a obra do artista Primo da Cruz (1983-2020). Nas obras apresentadas na mostra, a realidade e a imaginação convivem com crenças, desejos e vislumbres de um jovem criado em uma favela que viveu com as complexidades resultantes do amor de uma família e do descaso do Estado. A curadoria da mostra é assinada por Alexis Zelensky, Armando Antenore, Clarissa Diniz, Felipe Carnaúba e Maxwell Alexandre, além do acompanhamento curatorial da Equipe MAR, composta por Amanda Bonan, Marcelo Campos, Amanda Rezende, Thayná Trindade e Jean Carlos Azuos.
A obra de Primo da Cruz articula a sua experiência com a violência urbana, o seu trabalho no tráfico com uma formação evangélica. “É uma combinação de referências que faz a obra dele singular. É uma grande oportunidade que a gente tá tendo através da exposição no MAR de ter acesso a um mundo que a gente só vê nos jornais, nas televisões, de uma maneira estigmatizada e aqui a gente tem acesso através de um olhar sensível, crítico e criador de um artista que viveu neste mundo. Ele viveu o mundo da periferia e o mundo do tráfico, e ele se tornou artista ao longo da vida sendo também traficante. Ele fez da obra dele um lugar de uma enunciação sobre as estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais dos morros e em especial do universo do tráfico. O que não significa apenas uma apologia ao tráfico, mas uma crítica ao sistema que faz com que jovens como ele, não tenham tido outras oportunidades na vida que não se envolver no tráfico de drogas”, afirma Clarissa Diniz, uma das curadoras da exposição.
A exposição reúne mais de 50 obras, entre pinturas e esculturas. No repertório visual e temático do artista se destacam personagens do seu dia a dia, o cotidiano periférico, a paisagem carioca, a vida no cárcere, além do seu contato com a religião. Uma das curiosidades da exposição é que o título “O DONO DO MAR” vem de uma obra onde Primo escreveu essa frase, trazendo mais significado para a mostra. Apresentar a produção de Primo da Cruz faz parte da política curatorial do Museu de Arte do Rio de não fazer distinção entre artistas já consagrados e artistas até então desconhecidos do grande público. “A importância de um museu como o MAR receber a primeira individual institucional do artista Primo da Cruz é enorme. Primo, em vida, não teve a possibilidade de galgar uma carreira nas artes visuais condizente com o impacto que suas obras causaram em quem o conheceu, conviveu com ele, o colecionou e, sobretudo, com jovens artistas que se inspiraram nos trabalhos de Primo. O MAR vem desenvolvendo uma vocação singular no meio de arte e das instituições. Somos um Museu que foca suas ações nas pautas interseccionais coadunando, gênero, raça e classe. Primo, um artista negro, criado em uma das maiores favelas da América Latina, a Rocinha, traz, para o MAR, a realidade direta pela qual muitas e muitos jovens negras e negros atravessam e prosperam. Assim imaginamos essa exposição”, revela Marcelo Campos, Curador-Chefe do MAR.
O Museu de Arte do Rio tem a missão de ampliar narrativas, resgatar biografias e produções e, principalmente, ser um lugar destinado à salvaguarda da memória, seja por meio do nosso acervo ou das nossas exposições. Assuntos que tratam do cotidiano das favelas e das periferias são os temas centrais das obras apresentadas na nova mostra que inaugura no MAR. “Acreditamos que a elaboração imagética de um cotidiano real pela arte intensifique a pulsão de vida que qualquer morador de favelas e comunidades possui e precisa atravessar. Ou seja, se queremos nos olhar no espelho, enquanto uma cidade turística, de cartão postal, precisamos oportunizar a autoria das narrativas sobre a cidade maravilhosa por quem, de fato, convive com ela”, pontua Campos. “O dono do MAR: Primo da Cruz” ficará em cartaz no Museu de Arte do Rio, de 17 de Dezembro de 2024 até 13 de Abril de 2025.
PRIMO DA CRUZ
O carioca Cristiano Abreu de Almeida, o Primo da Cruz (1983-2020), costumava se definir como cria da Rocinha, a maior favela do país. Era o mais velho dos quatro filhos da empregada doméstica Eliane e conviveu pouco com o pai, um segurança que virou pastor evangélico. O forte viés religioso, porém, não o impediu de se envolver logo cedo com a criminalidade. Após oito anos e meio em regime fechado, Primo reencontrou o artista e amigo Maxwell Alexandre, seu antigo vizinho. A partir daí passou a trabalhar com arte e produzir obras. Suas pinturas, esculturas, instalações e objetos não raro usam materiais recolhidos pelas ruas. São pedaços de madeira, fragmentos de eletrodomésticos, telhas, panelas, bandejas, antenas parabólicas ou mesmo quadros de autoria desconhecida. Os trabalhos espelham principalmente o cotidiano do artista que faleceu em 2020 e deixou inúmeras pinturas inéditas, que estarão em exposição no Museu de Arte do Rio.