Em uma das esculturas que projetou para o Passeio Público do Rio de Janeiro, o artista Mestre Valentim – responsável pelas mais representativas obras públicas do Rio na passagem do século XVIII para o XIX – inscreveu a sentença “ao amor do público”. A dedicatória, que é ao mesmo tempo a invocação a uma relação de afeto com a cidade, surge numa pirâmide situada em meio ao parque, uma das primeiras intervenções urbanas de caráter geométrico da história do país e uma das últimas esculturas desenhadas por Valentim para o Passeio Público. Do compromisso do artista com a constituição da capitalidade do Rio de Janeiro (então em processo de afirmação) e da convocação feita ao amor advêm modos de engajamento da arte com a criação de memória e de imaginação das cidades e, em especial, do Rio.
O MAR ombreia-se a Mestre Valentim. Assume-se como público amante e, como tal, busca o amor do público em seu comprometimento com a contínua formação de imaginários do Rio e do Brasil. Nesse sentido, a conformação da Coleção MAR compreende-se como um programa com o qual se deve engajar toda a sociedade, cuja diversidade e singularidades são os norteadores ao mesmo tempo estéticos, sociais e políticos dessa coleção. Por essa razão, sob a gestão do Instituto Odeon, o MAR desenvolve uma vertebral política de doações, por meio da qual a sociedade conduz, junto à curadoria do MAR, os percursos dessa que é a primeira coleção de um museu de arte do município do Rio de Janeiro.
Por meio de doações de colecionadores, artistas, galerias, instituições etc., o MAR estabelece seus principais fundos (doações de um conjunto de mais de 20 peças) e núcleos significativos, forma de organização da coleção por questões que entrecruzam autores, épocas, linguagens e técnicas as mais distintas em torno de interesses comuns. Por sua vez, Ao amor do público I – Doações na ArtRio (2012-2015) e MinC/Funarte – Homenagem a Cely Mesquita reúne obras que integram fundos e núcleos variados da Coleção MAR, mas que foram doadas ao museu ao longo das últimas edições da ArtRio, feira de arte realizada no Rio de Janeiro. Durante as feiras – e em diálogo com artistas, pesquisadores, colecionadores e galeristas –, a curadoria do MAR indicou obras de interesse de sua coleção por meio de sinalização específica, destinada a identificar a wishlist (lista de desejos) do MAR. Deparando-se com as assinalações da wishlist ao longo da feira, inúmeros colecionadores, artistas, empresários e galeristas doaram tais obras à Coleção MAR e, com isso, ao amor do público. A todos aqueles que, desde 2012, aderiram à política de doações do MAR nossos sinceros agradecimentos.
Além dos trabalhos advindos das doações realizadas ao longo da ArtRio, esta exposição traz a público também três doações recentes realizadas por meio de editais da Funarte: um conjunto expressivo da produção de Vera Chaves Barcellos (RS), o que torna o MAR um centro de referência de sua obra; Moradia popular brasileira, série de caráter social de Evandro Salles (RJ) e Natureza morta, fotografias que inquietam cartografias e identidades do Rio, de Louise Ganz e Ines Linke (MG). Uma homenagem é, por fim, um dos eixos de Ao amor do público, lançando luz sobre as relações de afeto que constituem, como nas palavras de Mestre Valentim, nossa relação com a cidade e, como tal, as relações da cidade do Rio de Janeiro com o MAR. Trata-se de homenagem a Cely Mesquita, cuja generosidade contribuiu intensamente com o MAR na formação do Fundo Cely, Ronie e Conrado Mesquita. Cely sempre representará, por sua afetuosa dedicação e engajamento com a arte e com a vida, um dos traços fundamentais do espírito do Museu de Arte do Rio, aquele que compreende que existimos com, para e através do outro. Um museu lançado ao amor do público.