Kurt Klagsbrunn nasceu em Viena, na Áustria, no dia 6 de maio de 1918. Com a ascensão do nazismo, foi obrigado a abandonar os estudos de medicina em 1938. Deixou Viena em 26 de julho e partiu para Lisboa, via Roterdã, com seus pais e o irmão. Chegou ao Brasil em abril de 1939.
O que atraiu a atenção daquele jovem vienense, estudante de medicina, que chegava ao Rio em 1939? Ao deixar a Áustria, como judeu em fuga da perseguição nazista, não lhe foi permitido trazer sua câmera fotográfica. Mas, ao final da longa viagem, chegou ao Brasil com uma Leica. Kurt encantou-se com a paisagem e a luz que encontrou por aqui, e aquela câmera seria seu passaporte para uma nova vida. Rapaz discreto e observador, começou a fotografar.
O que Kurt fotografou em 40 anos de vida profissional?
Com um olhar curioso, às vezes irônico, registrou festas e eventos sociais e políticos para revistas como Rio Magazine, Sombra, Brazil Herald, Rio, Fon-Fon, Vida, Revista do Comércio e Carroussel, formando uma grande clientela. Tornou-se conhecido entre artistas e intelectuais, e reconhecido pelos colegas. Em pouco tempo, pôde garantir sua sobrevivência e passou a receber pedidos frequentes da revista norte-americana Life para reportagens sobre o Brasil.
Sua câmera fugia ao dever, resvalava para os lados, fixava o que acontecia em torno da situação para a qual fora comissionado. Curiosa, captava o movimento das ruas e dos passantes, os meninos descalços, os operários malvestidos e desprotegidos no trabalho, em obras ou fábricas. Ele via o ser humano e a máquina em interação, e entendia isso como o desafio de seu tempo. Dessa visão, entre o fascínio e a busca de conhecer, nasceu sua inspiração para realizar ensaios.
As pessoas eram retratadas com uma dignidade característica de seu olhar. A descontração nas calçadas da Cinelândia ou na praia, a exuberância e a alegria das festas populares eram percebidas como uma coreografia urbana. Esse olhar, porque humanista, liberava Kurt de condicionamentos da educação europeia e lhe permitia apreender o corpo, o gesto em seu vigor e despojamento, sem embelezá-lo, aceitando a presença de certa “sujidade” naquilo que estava em volta. Era um ver simples: o que está faz parte.
Não raro, Kurt anotava nomes de operários retratados, de noivos anônimos, o que revela a atitude do fotógrafo diante do sujeito fotografado. Essa relação se reflete na força visceral imanente do retrato e logra reproduzir a expressão única do ser.
Na primeira década após sua chegada, o Brasil vivia um turbilhão. Sob o governo ditatorial de Getúlio Vargas, o país entrou na Segunda Guerra Mundial, após hesitar sobre que lado escolher. Kurt aproximou-se da União Nacional dos Estudantes (UNE), que contava com jovens como ele. Fotografou suas lutas pela participação do país na guerra contra o nazismo, pela anistia e por movimentos sociais. Celebrou a vitória, registrou a cassação do Partido Comunista e a eleição do marechal Dutra para presidente. No segundo governo Vargas, em 1950, documentou a criação de um parque industrial brasileiro e a eleição de Juscelino Kubitschek. Fotografou Brasília. Mas continuou a registrar casamentos, aniversários, desfiles de moda e as personalidades que circulavam na cena carioca – pintores, escritores, músicos, comediantes, a população na praia e no Carnaval em uma cidade que crescia e se modificava.
Marta e Victor Klagsbrunn
Curadores