O tatu não é azul. A carapaça amarronzada adverte que o tatu-bola não se vincula aos céus, mas ao chão. A bola-tatu não voa, mas contém sua defesa: torna-se bola como forma de proteção por não saber cavar a terra para se esconder. Protegido contra predadores naturais, é presa fácil do homem e, logo, é vítima no desequilíbrio ambiental. Tudo no tatu-bola leva à terra quente e avermelhada de seu habitat – a caatinga –, o sertão que abrange parte do Norte e do Centro-Oeste do Brasil, além de praticamente todo o Nordeste. Alguns reduziram o tatu-bola de mascote da Copa do Mundo – oportunidade de se tornar uma reflexão lançada em escala mundial – ao símbolo do futebol global. Triste sina. As expectativas de entidades de defesa da natureza eram de que a Copa contribuísse para a salvação do tatu-bola da extinção. Daí o nome Fuleco = FUteboL+ECOlogia. A caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, é abundante e árida em simultâneo. Habitat retorcido de miséria e esgalhado em vasta riqueza sociocultural, a adversidade marca sua história e sua cultura de resistência.
A escolha do tatu-bola como mascote da Copa lança, aqui, o desafio político, neste momento intenso da vida pública do país: como pensar a bola – o jogo em sua versão mais comum, como também o esporte, em sua versão profissionalizada – a partir da perspectiva do tatu? Decerto, um pensar-tatu pode fazer perguntas produtivas para reflexões sobre o presente e o futuro do Brasil. Questionando os estereótipos da bola e, pois, do futebol, o tatu-bola questiona territorialidades que junto a ele se anunciam: que tipo de Brasil se mostra nesse bicho e que brasis, porventura, se abafam na carapaça azul de sua versão mascote?
Tatu: Futebol, Adversidade e Cultura da Caatinga faz-se sob o ponto de vista do bicho vivo. O imaginário da caatinga, do tatu e da bola conduz-se aqui pela óptica da adversidade que pauta a história do Brasil. Arte e artefatos culturais percorrem o ecossistema luminoso e quente da caatinga, o tatu na mitologia de sociedades indígenas, a invenção simbólica e política do sertão – a seca, o cangaço, a literatura social, o cinema novo, a arte contemporânea –, até o futebol da bola adversa (não a bola padrão Fifa, mas a irregular bola-tatu), o jogo entendido como uma importante forma de sociabilidade e de resistência. A partir do tatu, cabe experimentar a bola em sua reinvenção da perfeição esférica, aproximando-se da força política e da potência estética das formas cuja adversidade acumula uma energia pronta a explodir. Por fim, a escolha do tatu-bola e de sua caatinga se deve, primordialmente, à pesquisa no Ceará que concluiu que uma criança pobre conhece apenas metade do vocabulário de uma de classe média. Uma experiência na caatinga de aceleração de aquisição de vocabulário nas escolas resultou em avanços em todas as disciplinas. O que pode a arte para ampliar o vocabulário de uma criança? A partir dessa indagação crucial para o MAR começa o jogo da Copa, pois o legado do museu para as escolas serão projetos educativos.
Eduardo Frota e Paulo Herkenhoff, curadores.